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- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 2010-01-15 | |
Há entre os blogueiros do Brasil um grupo especial de escritores e poetas indígenas. Apesar de alguns antropólogos e lingüistas desacreditarem da noção de literatura indígena, traçando a origem deste conceito à cultura ocidental, particularmente a partir de Aristóteles, alguns índios brasileiros de origem ameríndia e também mestiços, se auto-declaram como escritores da literatura indígena. Não só isso, mas estão publicando livros, tendo suas obras traduzidas para diversas línguas e blogando muito!
O maior expoente desde movimento de literatura indígena é Daniel Munduruku (http://danielmunduruku.blogspot.com), escritor indígena originário da Amazônia e residente em São Paulo, com mais de 30 livros publicados e diretor do Inbrapi, entidade criada em 2001 com o objetivo de defender os conhecimentos tradicionais indígenas da biopirataria e exploração por terceiros. Daniel tem um website (http://www.danielmunduruku.com.br) bilíngüe dedicado ao seu trabalho literário, na maior parte infanto-juvenil, mas no seu blog ele aproveita para chamar atenção para notícias importantes para os povos indígenas e apoiar causas que o inspiram. Por exemplo, neste Dia Internacional da Mulher, Daniel fez uma bela declamação em prosa para as companheiras: “Penso compulsivamente nas mulheres. Não se trata de um olhar desejoso, mas corajoso. Corajoso porque, confesso, morro de inveja delas: da coragem, da obstinação, da intuição, do olhar sempre distante e sempre presente; da fortaleza e da fraqueza que revelam. Sei que poderão pensar que isso é humano, presente em homens e mulheres. Eu discordo. Conheço o masculino, convivo com ele em mim e sei que por mais esforço que faça percebo um lobo faminto, sem escrúpulos e sem medida. Acho que o homem masculino devia ouvir mais as mulheres. É claro eu alguns dirão que elas falam demais. Isso também é justo e certo, mas talvez falem muito por terem sido ouvidas tão pouco em passado recente e terem, por isso, que gritar para se fazerem ouvidas. Por isso tenho a impressão que nós homens, precisamos exercitar o sagrado direito de fazer silêncio, ouvir, ouvir e ouvir. Outros oponentes dessa teoria dirão que, assim, viraremos mulheres. Rebato o argumento dizendo: é disso que estou falando! Ao menos hoje temos que calar para deixar nossa intuição falar. E minha intuição diz que preciso sentir a dor do outro pra compreendê- lo em sua dimensão humana. Hoje quero ficar assim, miudinho, pequenininho, quietinho só para ver a magnitude do ser - mulher falar coisas que preciso ouvir.” Falando em mulheres, o movimento da literatura indígena é magnificamente bem representado por Eliane Potiguara, escritora, professora e ativista indígena que em 2005 foi indicada para o Prêmio Nobel da Paz (Projeto Mil Mulheres do Mundo). Eliane, cuja origem é paraibana mas vive no Rio de Janeiro, tem um website próprio (http://www.elianepotiguara.org.br), aonde divulga sua obra literária, mas também mantém o blog (http://blog.elianepotiguara.org.br) como parte de seu trabalho na rede GRUMIN de Mulheres Indígenas, da qual é fundadora e coordenadora. O blog é um instrumento de comunicação para as mulheres indígenas e traz um misto de literatura, oportunidades e chama atenção para episódios relevantes da luta das mulheres indígenas. Recentemente, Eliane postou um belo texto sobre a literatura dos excluídos que expôs em um evento: “A literatura dos excluídos ainda é uma pele de Boto que foi destruído ao longo dos séculos e que está esquecido e abandonado no fundo dos rios a precisar renascer_ ardentemente_ com a força da alma da natureza e humana. Mas essa natureza está envolta nas amarras dos séculos de dor, do obscurantismo, dos grandes enigmas e contradições da própria existência, do divino e do amor. A literatura ainda é um segmento cultural e político que não consegue chegar na totalidade das camadas menos privilegiadas social e economicamente do Brasil e do mundo. Esse Boto Literário precisa ser salpicado com as lágrimas emocionadas da Natureza, muitas desvairadas lágrimas. Aí sim, essas feridas do mundo¬_ que as mulheres indígenas as eternizaram com seus beijos de cura, bálsamos históricos, histórias não contadas e adormecidas no fundo do rio ou dos oceanos, essas sim, _ serão eternamente curadas, assim como o Boto literário”. Outro escritor indígena muito atuante é Olivio Jekupe (http://oliviojekupe.blogspot.com) que tem uma trajetória de vida incrível, tendo superado diversos obstáculos para conseguir cursar filosofia e firmar-se como escritor que hoje é, com diversos livros publicados e traduções para o italiano. Olivio traz fortemente a questão de sua origem mestiça, o que é a realidade de muitos índios brasileiros: O mestiço é o mais discriminado nesse país, pois tanto eu quanto muitos no Brasil sofrem. Sei que sou mestiço e não tenho culpa de ser, e a miscigenação existe desde a chegada dos portugueses, não sou o primeiro índio não puro e não serei o último. Mesmo não sendo índio puro, quero dizer que tenho orgulho de ser o que sou e não podemos ter vergonha, meso que a sociedade nos discriminem. No seu blog, Olívio traz matérias sobre sua literatura indígena, por exemplo, a interessante história da origem indigena do Saci, personagem do folclore brasileiro consagrado por Monteiro Lobato como um negro perneta, e informa que o verdadeiro Saci tem duas pernas! “Não sei se já ouviram falar que o Saci na verdade é um personagem indígena e que tem duas pernas, é provável que não ouviram ainda, pois eu fui o primeiro que escreveu dois livros que fala sobre esse personagem, tenho dois livros com o título - Ajuda do Saci, da Editora DCL, e o outro que se chama - O Saci Verdadeiro, da Editora UEL. Nos meus livros eu tento mostrar que o personagem tem duas pernas e é um índio, diferente da visão de Monteiro Lobato. E sei que já tem documentários sobre esse tema, e muitas matérias que falei para jornalistas, e até teses de mestrado sobre o tema, como fez a escritora Graça Graúna onde ela fala do meu livro, O Saci Verdadeiro. É importante que todos possam conhecer esse personagem onde tento mostrar o que nas Aldeias Guarani é comum ouvir sobre ele. Sei que um dia minhas histórias serão tão conhecida que serei convidado para dar palestras em vários cantos do Brasil, de Norte a Sul do Brasil”. Olívio menciona Graça Graúna (http://ggrauna.blogspot.com) que é outra escritora indígena, poetisa, da região Nordeste do Brasil, de origem do Rio Grande do Norte mas residente em Pernambuco, tão ativa na vida quanto na blogsfera. Seu blog é premiado, muito visitado e traz um misto de notícias sobre literatura indígena e maravilhosos trechos de sua poesia. Dentre tantas, colhi uma poesia para vocês saborearem, que é também flor: aos poetas Carlos e Sônia Brandão “… que Ñanderu* acolha as pedras da nossa canção. Que seja pedra enquanto leveza o sinal: sem poesia os tempos não existirão” * Ñanderu em guarani, significa Nosso Pai; o Grande Espírito, o Criador. Para quem quiser conhecer mais sobre literatura indígena, vale a pena visitar o blog do NEARIN (http://escritoresindigenas.blogspot.com) , Núcleo de Escritores e Artistas Indígenas do INBRAPI . O blog é organizado com o objetivo de oferecer um espaço para o debate de idéias em torno da literatura e arte indígena. Traz uma diversidade de notícias sobre o tema, relatando eventos ocorridos em várias partes do país e também uma lista de autores e livros de literatura indígena. Para quem estiver em São Paulo neste dia 19 de Abril, Dia do Índio, vale a pena conferir o I Sarau das Poéticas Indígenas, na Casa das Rosas, Av. Paulista, 37, a partir de 15 hs. Ao final deste fascinante tour à volta da blogosfera indígena brasileira, vale perguntar: Resta alguma dúvida a respeito da existência de uma literatura indígena legítima no Brasil? Artigo publicado originalmente em Global Voices em Português (http://pt.globalvoicesonline.org) e re-publicado com permissão da autora, Deborah Goldemberg. Deborah é uma escritora e antropóloga que mora em São Paulo. Visite seu blog para conhecer mais o seu trabalho: http://ressurgenciaicamiaba.blogspot.com Foto: Daniel Munduruku |
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