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■ A 8th Bienal do Douro sem limites
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- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 2009-08-25 | |
Com pose de esfinge, sentado no balcão da entrada da biblioteca, o gato observa o movimento. Três recepcionistas entregam e recebem livros, enquanto universitários passam pela catraca, fazem consulta nos computadores e estudam debruçados sobre grandes volumes. Vez ou outra alguém se detém, sorri para o bicho, lhe coça a cabeça. Ele já faz parte do ambiente.
Mais um pouco e é hora da ronda pelas estantes. E o mascote caminha entre os livros com seu andar lânguido de pantera. Sorrateiro, se esconde em uma das prateleiras e, silencioso, aguarda que algum desavisado, ao retirar um exemplar, dê de cara com dois olhos intensos e longos bigodes de nylon. Quando consegue arrancar da vítima um grito assustado, há quem jure que o felino sorri de satisfação. Outro passeio. Dono do recinto, ele caminha entre pernas e cadeiras. De quando em quando se enrosca num tornozelo, as costas arqueadas a comichar. E se quer companhia, não faz cerimônia. De um pulo está sobre a mesa onde, concentrado, estuda algum aluno. Ao lado do livro ele se estica. É todo insinuação. Até que, vencida, a presa lhe estende os dedos a lhe acariciar a barriga. Impossível resistir aos negros pêlos brilhantes, bem tratados com horas de banho à língua. E completamente entregue aos afagos mansos, como só os animais sabem se entregar, o bichano se delicia com o toque humano e, misterioso, vai treinando seu dono a dar e receber. Engana-se, no entanto, quem crê que ele seja só preguiça. Um olhar mais a fundo em sua íris verde água e se descobre que esse gatuno conhece Kafka, sabe de cor todos os verbetes do dicionário e aprecia poesia moderna. Quem precisa de botas em meio a tantos livros para ser levado tão longe? Com as edições técnicas não tem paciência. Gosta mesmo é de literatura. Discute filosofia com Platão, conhece a história do povo brasileiro por Darcy Ribeiro e quando o assunto é educação, prefere Paulo Freire. Não perde muito tempo com jornais e revistas, pois sabe que esses vêm e vão, em dias, semanas, no máximo, meses. Para sempre, tem convicção, só permanecem os livros. Passa horas nas estantes da direita, jornalismo literário. Mas o ápice de seu deleite fica ali, mais para a esquerda, onde volumes amarelados ocultam Tchekhov, Machado de Assis, Clarice Lispector, Cecília Meireles ... Ah, com tão boa companhia, sem anos de solidão. Mas nem só de intelectualidade vive o gato, que também tem seu lado animal. A propósito, é ela. Uma gata. E nas noites de cio, deixa a biblioteca para as ruas e com seu grito feminino clama por companhia. E depois de uma noite bem acordada, intenso prazer, volta para seu aconchego. Nas manhãs frias se aninha em folhas quentes de jornal e sobre o emaranhado de letras e palavras sonha profundo. Nos dias abafados, entretanto, prefere a lisura refrescante das revistas e se esparrama pelas fotos coloridas. Ao cair da tarde, desperta preguiçosa. E enquanto o movimento é fraco, as recepcionistas lhe enchem de mimos. Mas quando os estudantes começam a chegar, ela volta a seu posto, estrategicamente sentada sobre o balcão, feito peça de arte. E com seu porte de rainha controla o movimento. Encara um e outro estudante, até que eles venham acariciá-la. E ela pisca lentamente os olhos claros, fazendo charme, modesta. Afinal, eles vêm buscar o que ela já sabe.
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