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As donas do Pantanal
crônica [ ]

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por [marthabaptista ]

2009-08-25  |     | 



Quando cheguei ao Pantanal era apenas a “dona” do André. O esperto Claudinei, um garotinho de pouco mais de 6 anos, caçula de uma penca de filhos de Negrinho e dona Creuza, foi o único a verbalizar a decepção do pessoal. “A dona do André não sabe cozinhar!”
Eu devia parecer uma aberração no Pantanal mato-grossense: uma mulher que não sabe cozinhar não vale a comida que come. Como é que o patrão foi arrumar uma dona que não sabe cozinhar? Não foi por falta de aviso: antes de decidir aceitar o pedido de casamento e tomar a decisão que mudaria minha vida para sempre, eu alertei com todas as letras que só sabia fazer ovo (frito, omelete, mexido, etc), café (mal-e-mal) e mingau de Maizena. Ele me quis mesmo assim ...
Com o tempo e os dias de ócio (e muito calor) no Pantanal, fui aprendendo a fazer outras coisas e enchendo, aos poucos, meu caderninho de receita: aprendi a fazer leite condensado com o farto leite da fazenda, doce-de-leite, bolos, vários tipos de biscoito e queijos.
Como eu gostava de ficar à beira do fogão de lenha mexendo o doce com a grande colher-de-pau, esperando que a mistura de leite e açúcar fervesse até chegar no ponto, enquanto inventava histórias, como a da raspinha do tacho e a da pererequinha, que eu escreveria e contaria um dia aos meus filhos!
Ao meu lado, nos primeiros tempos, permanecia o gato Iuri, fiel companheiro, e a não tão fiel Cathy – o casal de gatos que levei da cidade para espantar os ratos que interrompiam nosso sonho à noite e roiam nossas roupas. Mais tarde, vieram os cachorros – alguns passageiros e outros mais permanentes, como Manchinha, mistura de pincher com fox paulistinha que merece uma crônica à parte.
O melhor de tudo era saborear a expressão de prazer no rosto do meu amor à época, que chegava do campo cansado e parecia se deliciar com meus bolos, doces e biscoitos. Quando ainda não tínhamos as duas filhas, sempre havia tempo para fazer amor e reafirmar os laços que, até então, parecia que nos ligariam para sempre.
Nunca aprendi a fazer comidas de mais sustância, como arroz com carne (o arroz de carreteiro como o pessoal chama por lá), paçoca (farinha de mandioca socada no pilão com carne seca) ou feijão. Por sorte, sempre tive alguém para fazer o serviço pesado: cortar a lenha, atiçar o fogo, cortar a carne, cozinhar e depois ainda lavar as panelas negras de carvão.
Vida dura a das mulheres do Pantanal, donas só no nome. Para elas, nunca havia domingos, nem feriados. A rotina era uma só: acordar de madrugada, fazer café pro seus homens, alguma coisa pra comer, alimentar a filharada, cuidar da “casa” (a “sua” e, eventualmente, a do patrão) em troca de pouca ou nenhuma paga. Os homens ainda iam pro campo, viam bichos, se distraiam na lida com o gado, nas caçadas aos porcos selvagens, que precisavam ser capados para que engordassem e se transformassem em banha e carne. As mulheres permaneciam à beira do corixo, sob o sol escaldante, lavando a roupa e – com sorte – ouvindo pelo rádio músicas e notícias dos parentes na cidade.
Ah Claudinei, naquele dia, eu me senti constrangida de confirmar que a “dona” do André não sabia cozinhar. Não sei se foi por isso que o meu casamento acabou. Pode até ser, mas uma coisa eu garanto fui imensamente feliz no tempo em que convivi com você e as verdadeiras donas do Pantanal.

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