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■ A 8th Bienal do Douro sem limites
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- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 2010-12-12 | |
APELO À MISÉRIA
Quem me dera, miséria, eu fosse parte de um baluarte de sonho e de quimera. Pela boca mantém-se assim o povo, a lavagem é a comida que a si, dera. Na vergonha de reconhecer-se porco, ter o rosto metido na sujeira, enlameado atrás de uma porteira seu anseio é mantido na espera. Quem me dera, miséria, eu me calasse e ocultasse o meu rosto na janela. Meus princípios mantêm-me assim exposto. Sou mau gosto travado na goela. Quem engole as palavras que eu digo traz de volta a vontade de lutar, elas tocam a ferida no umbigo que o conformismo já ia cicatrizar. Quem me dera, miséria, quem me dera, que de ti eu pudesse me livrar. PERSONAGENS INFANTIS Será que o lobo é tăo mal. O lobo ama também. Ele protege os filhotes que tem. Caçar, para ele é natural. A chapeuzinho, talvez, quando crescer seja outra. Se torne uma megera que năo gosta de criança e perca toda a esperança de voltar ao que era. O caçador, o herói tăo valente que salvou a vovozinha, costuma matar friamente a fêmea, deixando a cria sozinha. Ele acabou sendo preso por caçar ilegalmente. A vovozinha morreu. Pois, a idade a levou. Mas, quantas vezes brigou com a vizinha da frente. Isso prova que a bondade e a maldade, na verdade, săo apenas uma história diferente. O POEMA QUE EU DEIXEI DE ESCREVER O poema que eu deixei de escrever, Falaria de você, De nosso tempo, De angústia, de tormento, De alegria e de prazer. Iria contradizer Cada palavra Que as nossas falas Tinham pouco a dizer. O poema que eu deixei de escrever, Seria na verdade, Uma ameaça. Calaria minha boca, Qual mordaça. Năo seria uma desgraça, Por năo ser. Os meus versos, Talvez fossem sem querer, Uma ofensa A sua crença, Que eu acreditava Ter. O poema que eu deixei de escrever, Năo seria De valia. Sem valia, O deixei de escrever. SEPULTAMENTO Os meus olhos pregados no infinito como os pregos nas tábuas cravejados, e de pontas viradas, redobrados, sustentados e fixos numa curva. No aconchego da madeira macia, minhas costas nos ossos da bacia consolam meu corpo tăo curvado. Pelo tempo que tenho acumulado, a ferrugem do mundo me comeu, e a tampa que pregam me prendeu para sempre num rito consumado. Por debaixo da terra condenado a ser parte da mesma e năo ser eu. CANTO DE SEREIA Como um canto de sereia de belíssima harmonia, letra correta, verdadeira poesia e melodia que eterniza nossa alma. Por onde anda a sereia encantada nas profundezas desse mar de ignorância? Letra incorreta com falta de concordância e melodia que nos faz perder a calma. Só na lembrança, o teu canto nos enleva na emoçăo que tua voz nos faz sentir e na saudade, o nosso coraçăo desperta pra realidade, năo há nada mais pra ouvir. PEDESTAL DE BARRO Revogo silêncio ante palavra e voz. Reato os nós que me prendem ao medo. Reavivo memórias em busca de segredos que já năo interessam mais. Reclamo por paz em meio a intensa guerra. Replanto a erva que năo nasce mais. Relato as dores de males e fome. Repito o meu nome, antes de dormir. Reato os laços que me prendem aqui, ao pedestal de barro. TORRE DE BABEL O juiz do supremo, Jeová, se irrita e sai do sério, quando seu filho Jesus vai à noite, ao cemitério. No boteco do Davi, onde quem manda é o Golias, năo há funda, quem afunda na cachaça, é o Isaías. No salăo do senhor Sansăo, quem faz o cabelo é sua mulher Dalila. As mulheres de Salomăo, o cafetăo lá da vila, choram e sentem solidăo quando estăo de barriga. Lúcifer anda arrasado, o seu mundo virou trevas, por ter visto abraçados, Adăo e a senhora Eva. Noé, o velho barqueiro, năo gosta de animais. No entanto, adora um peixe-frito no barzinho lá do cais. Essa torre de Babel é o mundo em que vivemos, onde năo há inocência. Se algum nome ou fato ofender, é mera coincidência. A MULHER DA MINHA VIDA A mulher da minha vida, Sempre é lida em meus versos, De uma forma ou de outra. É a sua voz que ecoa Reclamando meu regresso. É bem mais que uma amante, Que uma amiga e companheira. Necessária como a fonte No deserto de areia. A mulher da minha vida, Entre linhas abstratas, Põe em mim, doces palavras E expressăo de alegria. A resumo em poesia, Tal qual em cartas, A saudade que nos mata Se envia. A mulher da minha vida É a graça Que um devoto em desgraça, Alcançaria. O LABIRINTO Pelas ruas infinitas, Năo encontro meu destino. Endereço repentino; Entăo, me pára. Năo é nada; Sigo em frente, o meu caminho. A mim mesmo, ainda minto: - Logo chegarei em casa. Em calçadas, Eu percorro o labirinto (Cruzamentos, sinais verdes e paradas). O suor năo pára o tempo; Lágrimas, enxuga o vento; E um triste pensamento Năo se afasta. A cidade, assim, se fecha em semelhança. A lembrança, À realidade, năo se adapta. Eu confundo o momento E me perco no silêncio De um triste monumento Que me agrada. Minha calma é necessária Para espantar o medo, Desvendar todo o segredo Que o labirinto encerra. Os meus pés seguem por terra, Minha alma por promessa, O meu corpo por saudade. Edifícios, tais quais pedras, Alicerçam a cidade; Conduzindo minha mocidade Eterna, De encontro ao passado. Eu me torno um condenado Num presente adulterado, Que me enterra. Observo as vidraças Das janelas, Onde o sol ofusca a vista Com a luz que é minha guia Na escuridăo tardia Do passado. Cada praça Me congraça, Tal um templo Erigido como um marco à memória. Cada uma conta a história De seu tempo, De sorriso e sofrimento, De conquistas e derrotas. Novamente, me encontro sem saída, Apesar de tanta via planejada. Já năo reconheço nada Do que havia, Já năo reconheço nada. Alimento meu silêncio, O tempo passa, Onde pombos batem asas Sem voar. Năo consigo encontrar O meu caminho; O meu ninho Năo encontro em meu lugar. Continuo a me enganar, Ainda minto, Preso a esse labirinto A me fechar. À DERIVA Posso até perder o brilho dos meus olhos, Mas jamais, deixar de ver tanta tristeza. No esbanjar de pratos sobre minha mesa, Vejo a fome refletida nos teus olhos. O que faço se estou preso ao sistema Onde a indiferença Sobrepõe a caridade, Onde a verdade É varrida Pra debaixo da mentira E onde a vida É um barco à deriva Sem ações de piedade? UM POUCO MAIS Percebo A minha vida esvaindo-se entre meus dedos Em minha măo aberta A dar adeus ao mundo Pela janela. A minha juventude Em quietude eterna, Silencia os meus dias. As velhas alegrias Săo lembranças tristes. Os sonhos năo resistem Aos carinhos da morte. E que meu sono suporte Os meus pesadelos, Já que meus apelos Ao que me resta de força Năo me sustenta. Talvez, o mundo năo entenda Esses meus ais. Năo tenho medo de morrer. Eu só queria era viver Um pouco mais. O GRANDE DIA Ai de nós se năo fosse o profeta Para converter o nosso coraçăo. Do contrário, Deus feriria a terra Com terrível maldiçăo. Com o Senhor năo há perdăo. Seu grande e terrível dia Năo será de alegria E sim de destruiçăo. O poder de sua măo É extremamente acintoso. Deus é um ser ambicioso, Quer de todos, Atençăo. Năo importa a condiçăo, Será imposto Sofrimento e desgosto Por qualquer contravençăo. Deus năo quer nos dá liçăo, Quer aniquilar a todos Pelo caráter odioso Que passou à criaçăo. EPITÁFIO XIV Ela se aproxima Sorrateira e linda, Com seu manto escuro, Sua măo suada. Năo nos pede nada, Mas nos toma tudo. Deixa entăo, de luto, A pessoa amada. Ela năo se importa Com aquele que fica. Pois só se dedica Ao que se despede. Sorrateira, impede Que a gente viva. E sutil se infiltra Sob nossa pele. Ela só se afasta Quando mata a alma E deixa o corpo inerte. ETERNA SOLIDÃO O que eu tive na vida Além da data esquecida, Da dor no peito, contida, E da perdida ilusăo? O que mantenho na măo, Já na forma cadavérica, Senăo, A luta sem trégua Com os germes que a terra Colocou em meu caixăo? Os meus feitos, Foram em văo. Meus defeitos, Exaltados. Năo sou de Deus nem do Diabo. Sou um louco condenado A eterna solidăo. ESPANTALHO MORIBUNDO Minha alma sempre está Num silêncio tăo profundo, Que eu chego a duvidar Que ainda estou no mundo. Espantalho moribundo, Onde a morte vem pousar. Talvez para lhe falar: Sinto muito! Sinto muito! Num milésimo de segundo, Volta o corpo a respirar. Espantalho vagabundo, Fecha os braços para o mar, Abre os olhos para o mundo. FRUTO SEM CASCA Espalhando letras Sobre velhas páginas, Semeei palavras Que insatisfeitas Deram-me em colheita Uma grande safra De um fruto sem casca, A minha tristeza. Uma fruta fresca, Presa pela boca Em que uma ou outra Tenta mordiscar, Murcha sem parar; Se tornando feia, Seca na areia Quando o vento dá. Versos pelo ar, Lágrimas e poeira, Solidăo na mesa Onde o fruto está Exposto, sem par, Sem mostrar beleza, É minha tristeza A me alimentar. HOMENS DE FUMAÇA No arrastar de minhas sandálias Pela casa, Tenho as lembranças arranhadas E esquecidas. Por onde andam as conversas conduzidas Pelos homens de fumaça? Se desfizeram com o tempo, Nas costas de um tênue vento, Pela janela escancarada. O velho barco na distância, ainda aguarda Pela tripulaçăo dispersa, Numa espera Que parece eternizada. Em meio a tralhas, Depuseram suas velas. Em meio a elas, O seu capităo se apaga. O FRACASSO Eu sei que a vida me leva em trapos. Caldeirões de barro De bruxos modernos. Favelas de inferno, Diversos buracos. Săo armas de ferro. Săo balas de aço. Sou eu, o fracasso De um programa sem sucesso. Eu sei que a morte me olha de perto; Que chego a sentir o seu frio abraço. Eu fumo, eu prego Minha măo no maço De notas sem eco. Săo barras de ferro. Algemas de aço. Eu sei que sou o fracasso De um programa sem sucesso. Eu sei que caminham lado a lado, O errado e o certo, A ira de Deus E a fama do diabo, Senhores e servos, Patrões e empregados, Progresso e atraso. Săo os măos-de-ferro Em torres de aço. Sendo eu, o fracasso De um programa sem sucesso. OLHOS DE AZULÃO O que busca essa mulher Pela qual minto, Senăo A mesma solidăo Que sinto Quando longe de seus olhos de azulăo? Os mesmos olhos Que me olham da gaiola Quando eu abro a porta E eles vêem a imensidăo. SE FOSSEM SÃOS A rima É mera afliçăo Dos versos que me espelham Naquilo que săo. De forma nenhuma dirăo Do que săo feitos. Meus versos Seriam perfeitos Se fossem săos. Mas nada săo, Senăo Defeitos. QUANDO CHORO Onde andam os meus olhos Quando choro, Se năo consigo encontrar As minhas lágrimas? Nas migalhas, Além de meus remorsos? Nos meus ossos, Aquém de minha alma? A FANTASIA Amo você Com o mesmo ardor da juventude, Na quietude De minha atual idade. Amo-a na ausência Como num dia de saudade, Detenho-me a cada ínfima lembrança, Com a mesma paz Que traz Aquela esperança Após uma guerra. Amo-a em terra Com a cabeça pelas nuvens. Amo atitudes Que jamais seriam minhas, Como entre linhas, Leio uma poesia. Amo como se ama o alvorecer De cada dia, Como o sorriso Na inocente alegria De um bebê. E ter você, Ainda parece utopia. Mas, quis a vida Que eu vivesse a fantasia De meu ser, Que é para sempre, Você. MINHA GERAÇÃO Essa amargura Que me faz um homem rude, É mera atitude De defesa. Odeio a pobreza Que aos pés de Deus se ilude; Enquanto a juventude, Nada almeja. Desprezo a mania de grandeza Que o rico tem com tudo. Năo sou um carrancudo Por frieza; Somente faço uso Da tristeza De um sisudo, Por ser fruto De uma geraçăo que aceita. SONETO DA VITRINE (Sombras & espelhos) A vidraça estilhaçada, Năo desfaz a minha imagem, Năo subtrai da cidade, A luz do sol ofuscada. De pé, fiquei na calçada Com minha măo estendida. Exorcizei minha vida Na pedra que arremessara. Por um instante, escutara O som de ossos quebrados Da montra fragmentada. Meu corpo feito estilhaços Que os passantes pisavam Entre espanto e gargalhadas. POETAS (Sombras & espelhos) Săo tantos os poetas Quanto estrelas, Dispersos em bandeiras Pelo mundo. Eternos e profundos Pelas letras, Em digressões soberbas, Em dimensões sem fundo. Săo tantos os poetas Que o planeta, Em tinta de caneta, É resumo. Enorme rascunho Em línguas estrangeiras. A traduçăo perfeita Das emoções do mundo. MOSAICO (Sombras & espelhos) Em minha măo, Mil pedaços. Antigo quadro, Uma mesa, Alguém que come calado Com discriçăo ou tristeza. E lado a lado Na mais extrema destreza, Enfileirado Sob a antiga nobreza, Assenta-se o mosaico. Sob os meus pés, o passado Em um quadrado, Pintado Nesse retalho do tempo. Breve momento Guardado No mais antigo mosaico Preso à calçada, Ao tempo. SÓ EM TE AMAR (Sombras & espelhos) Só em teus lábios, Eu encontro meus gemidos. Só em meus gritos, Eu consigo te encontrar. Como enganar A emoçăo de estar aflito. Eu te preciso Como a noite, do luar. Só em teus passos, Eu caminho decidido. Surpreendido, Tento năo justificar. Sem teus abraços, Os meus beijos săo sofridos Como os feridos Que năo podem se curar. Só em te amar É que eu encontro o sentido De tudo aquilo Que consigo imaginar. NUMERAL UM (Sombras & espelhos) Eu atribuo Minhas palavras ao poeta. Uma espera Numa tarde em jejum. Nós como dois, Dividimos. No que dera? Apenas um. Eu me situo Nas medidas de uma régua. A mais complexa Ou talvez a mais comum. Sou menos um, Minha conta se completa Com menos um. Eu me anulo Numa soma que me zera. Um dois que nega A existência de mais um. Sou incomum, Tabuada que ainda preza, Numeral um. CONTRACEPTIVO (Tríptico) Eu năo sei se é o desespero que me leva à loucura quando o sexo estupra a minha alma, ou a calma que advém do meu tormento pelo tempo que passou em minha palma. Movimento anormal de penetraçăo moral em sua saia, e no cheiro da indecência, feromônio da ciência em uma jaula. Uma fera excitante que no último instante, ofegante, cospe a vida no seu couro de borracha. Năo há luta, nem corrida; há uma triste despedida de um suposto vencedor que foi fruto de um amor e se enforcou com a própria cauda. SONHOS (Tríptico) Os meus sonhos săo apenas fragmentos de memória, pequenos focos de luz como cristais dispersados num caleidoscópio de pensamentos, distorções esdrúxulas da realidade. Rumores, amores e momentos, abertos numa gaveta destrancada. Minhas pálpebras fechadas num caixăo de quase nada. Um quase definido como os sonhos que săo versos que componho numa noite agitada. Movimento involuntário dos meus olhos, que entre risos, ainda choro por apenas acreditar sofrer. Entre cartas mal escritas e seladas, vem a calma ao chegar o amanhecer. Vem enfim, o esquecimento desse quase fingimento que é sonhar. EM DEMASIA (Tríptico) Eu sou demasiado triste, pelos versos que componho. Eu sou demasiado louco, pelo pouco que proponho. Năo deveria o mundo ser assim, em demasia. Talvez năo seja o mundo, seja enfim, minha poesia Demasiada em meu tédio, sem remédio, em grafia; em longas noites mal dormidas; nos insultos que eu ouvia. Năo caberia em minha măo, toda a visăo que em mim cabia. Eu sou demasiado em tudo, que ironia, demasiado em meu luto por ser fruto de utopia. Em demasia săo os dias que me escapam entre os dedos como uma teia que é lânguida e esguia. O mais sublime pensamento que perde tempo em demasia. Demasiado, meu tormento, pelo tanto que eu năo via. Demasiadamente eterno, meu inferno em agonia. Em demasia sou quem sou, um astronauta que acordou num mundo estranho em demasia. DISLATE (tríptico) Talvez minhas palavras sejam tolas, minhas ações, inconseqüentes; as minhas brincadeiras, ironia; eu próprio seja falho e negligente. O meu discurso seja sátira; minha seriedade, uma piada. O meu humor seja mau gosto; o meu dislate, permanente. Meu riso entre dentes, atimia; a minha faina seja ociosa; meu pranto, uma liçăo jocosa e o jeito infantil, idiotia. Talvez a minha vida seja um fracasso; meus versos, um engodo imoral. Em epítome, sou um gracejo nefasto. Meu desejo, um esboço abnormal. TURGESCÊNCIA (Sob meus calcanhares) Eu sinto os teus cabelos entre meus dedos, teus lábios comprimidos ao meu desejo, o arfar de teu cansaço entre meus braços e ouço teus gemidos. Vejo teus olhos tolhidos fitar meu medo de năo tê-la satisfeito ainda. Tenho todos os sentidos na extensăo do meu leito. E no auge da turgescência, me torno uma larva imersa em teus fluidos. O RAMO (Sob meus calcanhares) Onde está minha alma, que năo encontro? Onde está meu encanto, minha calma? Săo perguntas que faço, ainda em pranto, ao meu eu freudiano que me cala. Onde está este anjo que me fala? Um quebranto que minha măe me pôs. Ouço a antiga cançăo que ela compôs em minha rede embalada. Vejo um ramo na árvore desfolhada, resistir ao vento, envergado. Nesse instante me sinto envergonhado pelo meu triste pranto. Minhas lágrimas săo simplesmente água que faz falta ao ramo. O DIÁLOGO (Reticências desfeitas) - Dou-te a palavra para principiares o diálogo. - Fico muito grata por ceder-me o favor. És muito amável. Vou falar de amor, sentimento imensurável que é tăo natural quanto o desabrochar da flor. - Já vou interpor. O que tu estás dizendo? O amor é um invento cultural e sem valor. - Estou espantada. És um homem insensível. O amor é indizível. É nosso maior legado. - É soma sem resultado. O amor năo é normal. É estóico, irracional, nos mantêm aprisionados. - És um homem insuportável. Mas o que dizes é refutável. De que vale a liberdade, sem motivo para a saudade. - És uma eterna sonhadora. De que vale um sentimento que só nos provoca medo, fraqueza e sofrimento. - O amor é imortal. A mais pura poesia. Nos fere, é natural. Mas compensa com alegria. - É uma simples utopia. Inconstante, passageiro. Quem se entrega por inteiro, viverá em agonia. - Vou deixar por encerrado o nosso breve diálogo em tua cética pessoa. Mas eu sei năo é à toa que nós dois somos casados. ELA (Quadrilátero) Ela me leva, me engana e ainda me desafia. Levou meu corpo para a cama, enquanto me distraía. Deu-me o fruto do pecado, enquanto Eva, e compensou com redençăo, quando Maria. Em Joana D'arc foi Vitória, também rainha. Já foi de todos e só minha. Ela é pouco e é demais. Como Helena, ela foi guerra. Como Tereza, ela foi paz. INDECENTE (Quadrilátero) Năo sou um cavaleiro imaginário, apenas um vassalo que caminha. Pela realidade, um escravo que tem a ilusăo que é livre ainda. Năo sou nenhum beato, nem um căo. Eu năo uso sermăo e nem batina. Meu rosto é palidez, enquanto expiro. Meu sexo sem estilo, estupidez. MUNDO FICTÍCIO (Pax-vóbis) Uma criança brincava Com a comida, na mesa. Corria de pés descalços, Sem ninguém a seu encalço, Pela ruazinha estreita. Năo enxergava a sujeira, No seu mundo fictício, Do real desconhecido; Tudo era brincadeira. Contudo, era tăo bonito Ver o mundo d’aquela maneira: Sem ter ódio, Ser ter vício, Sem sombra de sacrifício, Sem pecado E sem tristeza. SOMBRA DE NANQUIM (Pax-vóbis) Que a vida, Mesmo frágil, continue. Que perdure Meu amor, além de mim. Que năo tenham fim, Meus passos pela rua. Que dissipe sob a lua, Minha sombra de nanquim. A PEQUENA D’ARC (Olhos de guri) A guria năo gostava de pia, de casinha ou fogăo. Para ela, tudo era opressăo. Ela ouvira sua măe reclamar que a mulher tende a trabalhar só com água e sabăo. Por que năo brincaria de guerra, de doutora, de terra na măo? A guria, parecia antever que seu mundo seria uma doce ilusăo. A SOMBRA (Olhos de guri) Minha sombra que se perde no escuro, salta o muro quando o sol no céu desponta. Se arrasta no chăo duro, se encolhe, se estica, passa rente a dobradiça e se perde pela casa. Mas à noite, minha sombra cria asa, voa quando saio a rua. Pela luz que vem da lua, minha sombra me abraça. Me divirto e acho graça quando atravessa a fogueira. Minha sombra, năo sou eu, mas é minha companheira. TAMBÉM SOU (Letras, ...) O louco é apenas mal ouvido. Seu riso, tenebrosa gargalhada. Sua fé, um constante, eu duvido. Sua mente, uma porta escancarada. Seu pedido de ajuda é um grito. Seu gemido incontido, uma dor. Seu amor, um abraço emotivo. Sem motivo, eis que louco também sou. A GRAÇA (Letras, ...) Deus me deu o fardo para eu achar pesado o termo ser livre. Deus me deu o espelho para ver se aceito esse meu rosto triste. Deus me deu o segredo para pensar, eu mesmo, o que é ser tolice. Deus me deu a culpa para eu pedir desculpa por qualquer deslize. Deus me deu a dor para eu sentir pavor do seu dedo em riste. Deus năo me deu nada, eu que faço a graça crendo que ele existe. VERSÃO REFRATADA (Letras, ...) Quantas vezes eu tive que mergulhar no sorriso para fugir do abismo que é o existencialismo de mim mesmo. Quantos pueris desejos entre prosaicas conversas. Quando nada interessa, meu mundo me dá medo. Eu sou apenas ensejo que o acaso consagra. Uma versăo refratada na ilusăo do que vejo. Quando năo me percebo, é sinal de que eu mesmo sou a soma do nada. QUEM SOU EU (De versos, ...) Sou um jovem ateu Que entra na igreja Para tomar cerveja E beber café. Desconheço a fé, Mesmo na ressaca. Rio quando a graça É de um milagre De ser eu, um padre Que toma conhaque Num cálice de vinho E vive sozinho Pensando que sonha Em ser um demônio Que se sente Deus, Ser o próprio Deus Se sentindo humano, Ser um santo insano A brincar de ateu. DESESPERANÇA (De versos, ...) Quem é essa Que me tira o sono, Que arrebata o dono De uma humilde casa? Quem é essa Louca, desvairada, Que ao seio me prende Sem saber se sente A dor que a outro causa? Lábios que procuram vida Carne apodrecida No envelhecimento. Quem é essa Que corrói por dentro Como um veneno Sem nenhum antídoto? Eu sou outro, Sou um homem dito, Dito morto Pela agonia. Quem é essa Musa e tirania, Mistura que havia Desde minha infância? Quem é essa Triste companhia? Talvez seja a morte, A desesperança. O MATUTO (Cálice) O matuto está triste, cabisbaixo e pensativo. Năo encontra um só motivo para saber se existe. Tal canário sem alpiste, preso a uma velha gaiola, vendo longe a aurora, sem ter ânimo pra cantar. Com vontade de voar para longe, ao horizonte; a saudade o consome antes mesmo de partir. O matuto fica ali, a pensar no que seria sem a única companhia, a choupana em que vive. Tal amor só visto em versos, o matuto é regresso de um lugar que năo existe. SEM CONDIÇÃO (Cálice) Seus ombros à amostra, me deixam insinuado. Seu corpo ainda agora, me deixa provocado. Seus seios contornados pela blusa, me fazem sinal da curva do seu corpo ondulado. Seu jeito comportado năo me mantém à distância. Na sua tolerância, encontro o meu pecado. Seus olhos năo perturbam minha paz, além do mais, recebem meu recado. Seu pare, deixa disso, mais cuidado, só fazem aumentar o meu querer. A dúvida faz crescer minha ilusăo, que eu terei nas măos a chance de fazê-la entender. Amar é mais que ter. É aceitar querer sem condiçăo. CONVÉS (Cálice) Foste meu caminho sem regresso em um verso. Minha poesia mais bonita. Entre as estrelas, rabisquei um só desenho, o seu rosto, como eu bem queria. Foste a derradeira flor perdida no deserto. Em meu universo, um farol de guia. Arrancaste o aviso que dizia: “Uma saudade”. O vazio da idade, preenchias. Foste o colorido de uma tela que eu pintava. A măo que segurava o meu filho. O espírito de um cético que chorava. A paz esperada por um homem aturdido. Foste o barco rijo que sustenta a onda em fúria. O pescador que nada à procura de si mesmo. Para mim, a mais incrível criatura. A doce loucura do desejo. Foste na verdade, o meu mundo. Hoje, na saudade, apenas és um velho convés com o qual afundo. GRAMATICAL (Cabaz) Só em letras imprimo minha alma. Mais do que texto sou contexto indecifrável. Meu sinônimo é antônimo de si mesmo. Um sujeito indefinido que é objeto de um erro gramatical. Entre modos e tempos, triste verbo que ecoa na forma nominal. Orações que săo subordinadas aos meus vícios de linguagem. Um início em letras ordenadas e um fim numa expressăo oral. AFLORA UM POETA (Cabaz) Assim se fez um poeta. Como talhe na madeira esculpi minha poesia. De uma maneira fria infundi minha alma no papel. Nas costas de um corcel cavalguei por entre versos; muitas vezes sem regresso, o poema, me tornei. De um sono despertei enquanto escrevia, da caneta entăo fluía as idéias que sonhei. Quem sabe se eu errei? Foram mais de trinta anos, foram tantos desenganos que poeta, me tornei. INGÊNITO (Cabaz) Seguir os passos a um lugar perdido na distância; entrar na dança de um ritual de acasalamento; sentir nas măos o instintivo dom que vem de dentro; ouvir o som de vozes ecoadas; e nas entonações das poesias declamadas, revelar-se poeta. LIAME (Cabaz) Sou livro intitulado. Um desabafo. Sou todo em parte. Um lacre violado. Sou tudo num nada dissipado. És flor dissecada na măo aberta em palma. És colo e calma na casa onde cresci; moeda encontrada que perdi; o berço em que nasceu minh'alma. |
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