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Verdades de brinquedo
prosa [ ]
(truths of toy)

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por [ghurisousa ]

2009-09-22  |     | 



Me vejo caminhando sobre os passos de meu pai numa estreita e solitária viela.
O ímpeto de olhar para trás me persegue como se algo muito grave estivesse prestes a acontecer embora a certeza de ser único naquele estreito

corredor.
Tento me controlar com a vã intenção de me precaver do medo.
Meus olhos giram para a esquerda e depois para a direita, cuidadosamente, como se isso pudesse despertar a atenção do ser imaginário que já havia

se materializado ao meu encalço.
Sindrome do pânico? O que é isso?
Perco-me em meio a um turbilhão de idéias e possibilidades incoerentes e flutuantes que cruzam constantemente a visão de minha consciência para

que eu faça a escolha.

Me vejo sobre os passos solitários de um caminho de pai na viela da solidão estreita.
Olho para os pés sob meus pés eventualmente fundidos no movimento da vida que por vezes anda e por outras para.
Num chão desconhecido ao meu caminhar sonolento, lento, continuo uma jornada que não é das estrelas.
Tento vislumbrar o fim e me dou conta do quão perto estou do início apesar de tanto tempo já haver passado.
Um sonho de criança me desperta de um sono cansado, um sono morto, e então ergo a cabeça e olho para cima, vejo o céu nublado e percebo a

gota de chuva chegando lentamente até tocar a parte inferior de minha boca.
Com o choro do céu começo correr os cem metros razos de minha vida e percebo um rio formando-se sob os pés de meu pai.
Continuo agora sem olhar para baixo.
Ofegante o ar parece perfurar meus pulmões como pequenas agulhas de acupunctura mas não paro.
A escuridão forma-se em meu globo ocular e sendo projetada para fora rouba-me toda a possibilidade da visão até que de repente um minúsculo feixe

de luz produzido por um vaga-lume que passa, faz-me perceber que o espelho d´água sobre o qual corria desesperadamente está chegando ao fim.
Então, busco num misto de sobrevivência e insanidade o último fôlego que me resta naquele momento.
Preparo-me deixando o tronco mais inclinado para frente e juntando os dois pés, num único impulso, arremesso meu corpo contra a escuridão.
Durante a queda abro os braços e sinto o ar massagear todo o meu corpo juntamente com um vapor de água que me acompanha e um barulho

ensurdecedor de cachoeira.
A sensação de liberdade é infinitamente maior do que o medo.
A escuridão continua.
Será que estou no ventre de minha mãe?
Tento depois de algum tempo enrijecer meu corpo deixando-o ereto como um flecha para atravessar ileso o alvo.
A sensação proporcionada pela liberdade de voar acaba com um mergulho muito dolorido num lago gelado.
Com a velocidade e o peso, o meu corpo segue num mergulho que parece não ter fim.
Me vejo diante de um tanque de lavar roupas cheio de água outrora usada buscando coragem para afundar minha cabeça e saber qual é a sensação

de estar debaixo d´água.
E o escuro continua.
Minhas mãos esbarram com muita força em algo sólido.
Tateio e percebo ser uma grande pedra ou talvez o fundo do lago.
Começo então girar o corpo sem a certeza de que conseguirei alcançar a superfície.
Com as primeiras braçadas percebo que não estou saindo do lugar pois a força da água continua a me empurrar para baixo.
Na tentativa de afastar-me da torrente que empurra para o fundo começo então nadar para frente.
Sinto já estar longe da torrente, então tento novamente nadar para cima.
A sensação de agulhas nos pulmões toma conta de mim novamente.
Passo a nadar com mais intensidade.
Meus pulmões parecem que vão explodir.
Apesar de todo escuro continuo com os olhos abertos como se isso me proporcionasse alguma segurança.
Um mergulho sem fim.
Com as forças exauridas outros braços envolvem-se aos meus, me impulsionando com mais determinação para cima.
Parece que agora está mais fácil.
Sinto que esse ainda não é o ponto final.
Tento animar-me com a possibilidade da superação quando o mesmo vapor de água que me acompanhou durante a queda agora tráz-me a certeza

de ter chegado a superfície e dou um grito.
Um grito de sobrevivência.
Um grito de nascimento.
Um grito de pavor.
Um grito de alegria.
Sinto muito frio.
A escuridão continua.
Após o grito faço silêncio.
Tento me concentrar além do barulho da cachoeira e ouvir o som da natureza que deve me dizer para qual direção nadar.
Nada acontece.
Tenho medo.
As sensações em meu corpo mudam rapidamente como se tivesem vida própria.
Inicio uma oração interior.
Seria esse o limite entre loucura e sanidade?
Estaria eu cego?
O lembrar dos acontecimentos recentes me trouxeram a realidade de toda a irracionalidade daquilo que estava vivendo, então o pânico apoderou-se

de mim.
Estaria eu sonhando?
Tantos devaneios foram subitamente interrompidos por um ruído que parecia ter chegado aos meus ouvidos pelo lado direito.
Tenho dúvida e medo mas começo nadar nessa direção.
Sinto o vapor de água ficando cada vez mais ameno até deixar de tocar-me.
O vapor de água me deixa mais uma vez tranquilo por saber não estar nadando em direção da cachoeira.

Continua .....

Fabiano Leite'Verdades de Brinquedo'
'Mais vale cultivar um sonho que te mantém vivo, do que realizar um sonho que vai te fazer morrer!' - Fabiano Leite

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