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O SEGREDO
prosa [ ]

- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
por [Oscar Calixto ]

2010-01-02  |     | 



CAPÍTULO I

- Me conta vai...

- O que?

- Teu segredo.

- Não conto.

E não contaria mesmo! Ricardo e Cláudia eram namorados, mas pairava sobre o casal a descoberta de Cláudia de que Ricardo tinha um segredo. Namoravam há mais de oito anos já e ter um segredo a esta altura do campeonato era algo inaceitável por Cláudia. Mas ela relevava... O namorado era rico e, diante das condições em que se encontrava no momento, isso já nem era o mais importante, mesmo assim insistia:

- Ah, que nada! Conta?

- Por que quer saber?

- Por que eu quero!

- Mas é segredo. Não posso contar. Segredo é segredo.

- Poxa, você não confia em mim, né? Impressionante...

- E por que deveria?

- Por que sou sua namorada! Não basta?

- Não, não basta! Não confio em mulher. É bicho danado!

- Então está bem... Mas olha: Também tenho um segredo. E vou te contar...

- O que?

- Estou grávida!

- Grávida?

- Estou.

Esta seria, para Ricardo, a pior notícia do ano. Grávida! Com tantas medidas de precaução tomadas, com tabela, anticoncepcional, preservativo até, na falta de um ou erro de cálculo do outro... O que haveria acontecido de errado?

- Mas como você pôde ficar grávida?

- Hã... Vai dizer que não sabe?

- Mas e as medidas tomadas?

- Ah, querido... Falharam!

- E agora?

- Agora a gente casa!

- Mas assim... Do nada?

- Casa. Olhe, meu filho: Não tem outro jeito. Papai é um santo! Mas mexeu comigo... Ele vira o diabo! Te mata!

Ricardo estava desesperado. E, apesar do silêncio, um furacão girava em sua cabeça procurando alguma solução ao menos um pouco sensata, para ele, é claro!

- E se a gente tirasse sem que ele soubesse?

- O que? O filho?

- É... Seria melhor pra nós dois...

Ricardo definitivamente não queria aquele filho. E achava um absurdo o fato de Claudia ter engravidado. Suspeitava que tivesse feito de propósito, ou ainda, que ela estivesse inventando. O que não parecia, pois sabia quando estava inventando apenas a fitando nos olhos... E isso lhe deixava cada vez mais desesperado, enquanto Cláudia relutava:

- Por que seria melhor tirar?

- Você ainda estuda... Nem ao menos é formada! Tem que seguir os passos do seu irmão... Veja como ele é responsável... Competente... Já é até formado!

- Ah, meu filho... Agora não tem jeito. Se depender de mim, a gente casa! E ser como Marcelinho eu não quero. Nunca quis.

- Pois então fique sabendo que se depender de mim a gente não casa!

- Por que? Você não me ama?

- Amo, mas não é pra casar...

- Então não ama!

- Deixa eu te explicar: Eu não posso ter um filho, não posso!

- Por que não pode? Você é rico...

- É, mas eu não posso ter um filho, definitivamente! Você vai ter que tirar!

Mas Cláudia era ambiciosa... Esse filho era agora um trunfo e irredutivelmente ela afirmava:

- Eu não vou tirar, querido! Esqueça essa idéia... Essa criança vai nascer filho de homem rico!

- Então foi por isso...

- O que?

- Que aceitou ficar comigo...

- Pelo dinheiro? Jamais, isso veio em segundo lugar.

- Você é descarada, não é?

- Por que?

- Está me dizendo isso na cara...

Ao mesmo tempo em que Cláudia ficava ressentida com a recusa do namorado, ela se divertia por vê-lo, enfim, encurralado:

- Ai, você é demais... Também tenho que pensar no dinheiro, meu filho! Só por isso eu sou descarada? E você? Cheio de segredos com sua namorada... Não vai mesmo me contar?

- Não vou... Quer dizer, agora não sei...

- Hum... Já melhorou.

- Eu conto, mas só se você me prometer que vai tirar!

- Aí não... É meu filho!

- É meu também! E não o quero o mundo!

- Por que?

- Pra quê colocar uma criança no mundo? É tudo tão seco, tão duro, tão raso!

- Raso? Que nada! A vida é profunda, querido... É feliz, encantada... Ainda pra mais pra você que tem dinheiro!

E apesar da relutância, de todo jeito Ricardo tentava desanimá-la:

- É, mas um filho é danado! E dinheiro não nasce em pedra! Hoje sou rico, amanhã já não sei... Minha família passa por dificuldades. E pensa bem... Somos tão jovens!

- O que tem demais?

- Tem muita coisa... Já pensou na sua barriga? Nos seus peitos?

- O que tem?

- Vai ficar cheia de estrias... Na barriga e nos peitos! E ambos ficarão moles e caídos!

- O que tem, meu filho? Faço plástica!

- E na sua liberdade, já pensou? Não vai poder ir às festas... Nem aos bailes! Isso dinheiro não paga!

- Paga...

- Não, não paga não, viu?

- Paga! Serei chique! Contrato uma babá!

Ricardo estava certo de que Cláudia realmente estava grávida. Não seguraria por tanto tempo uma mentira. Quando contava uma, logo logo desmentia. Agora a coisa se tornara muito mais complicada, porque Cláudia queria, por fim da força, ter o filho que Ricardo não queria. Indignado com a atitude de Cláudia, Ricardo prosseguia:

- Então vai criar um filho com uma babá?

- Vou sim... Por que não?

- Você é mesmo uma irresponsável!

- Por que? Pelo filho?

- É sim... É... Pelo filho!

- Ah, querido... Somos ambos culpados! Não vai me contar seu segredo?

- Que segredo? Depois de uma bomba destas... Não conto mais nada!

- Coitado!

- Sou mesmo! Um coitado!

- Quem mandou se meter a besta? Eu sou de família!

- Que família? Você mora na Lapa!

- E o que tem isso? Na Lapa não tem família?

- Nobre e rica?

- Nobre tem... Só não tem milionária!

- Então você quer mesmo ter o filho...

- Mais que tudo! Só tiraria se fosse de pobre!

Convicto de que não haveria saída para esse papo, Ricardo se rendeu:

- Está bem, então nós vamos ter o filho.

- Jura?

- Juro!

- E vamos casar?

- Vamos!

- Mas tem que ser na igreja! De véu e grinalda!

- Está bem... Mas só se me prometer uma coisa...

- O que?

- Vamos manter isto em segredo.

- Mas por que?

- Não gosto de alarde.

- Ah, sei... Por que? Por causa dos Papparazzi?

- É.

- Mas eu adoraria sair na revista, poxa! Ao lado da sua família... Não posso contar?

- Não, pelo menos por agora...

- Ai, está bem!

- Então vamos manter isso entre nós?

- Vamos.

- Então jura que nem sem pai!

- Nem meu pai!

- Nem seu irmão!

- Meu irmão?

- É.

- Mas meu irmão não tem problema. Você sabe... Marcelinho...

- Eu sei, mas mesmo assim. Nem ele!

- Está bem... Nem ele!

- Está bem então. Eu vou para casa. Preciso relaxar... Mais tarde te ligo!

- Mas está tão cedo...

- Não... Está tarde. Te ligo mais tarde.

- E o segredo? Vai me contar ou não?

- Ainda está cedo. Mas eu te conto, uma hora eu te conto...

- Está bem então, meu anjo. Vai com Deus então... Digere bem a notícia, tá? Papaizão!


CAPÍTULO II

Na semana seguinte a que se passara da notícia-bomba de Cláudia, Ricardo a telefonara. Tinha sumido depois da notícia. Passaram horas no telefone conversando até marcarem então um encontro. Cláudia, enfim o esperava no ponto de ônibus, de frente ao convento Santo Antônio, na carioca, quando ele chegou e enfurecida, ela exalou:

- Eu só quero te dizer uma coisa: Isso não é coisa que se faça! Estou aqui há mais de duas horas esperando e você nada... Sem contar o telefonema, que só me deu depois de uma semana!

- Já lhe pedi desculpas... E o atraso foi o trânsito.

- Trânsito... Até parece que pegou um ônibus!?

- E peguei

- Você? Há... Duvido, meu filho!

- Peguei sim. Se você duvida, não posso fazer nada!

- E o segredo? Decidiu me contar?

- Decidi. Eu vou lhe contar.

- Então conta!

- Não agora.

- Meu Deus, mais que saco!

- O que?

- Essa coisa de não me contar!

- Você é muito curiosa.

- Você vai ser meu marido, esqueceu? Não podemos ter segredos!

- Calma! Eu vou lhe contar!

- Quando, meu filho? Quando?

- Quando você parar de me cobrar!

- Ai, tá bom... Tá... Já decidiu?

- O que?

- A data em que vamos nos casar?

- Ainda não.

- Nossa... Você é devagar! Até nisso é devagar!

Após o acontecido, no ponto de ônibus, os dois saíram e foram jantar. Dois dias depois Ricardo ligou para a casa dela: Falou um pouco com o irmão e com o pai. Ambos não sabiam de nada. Marcaram então de se encontrarem novamente e, desta vez, em outro lugar...

CAPÍTULO III


Em algum lugar do Leblon estava Cláudia, prontíssima, e esperando por Ricardo que se atrasara alguns minutos... Mal o namorado chegou ao lugar, impacientemente, ela já fôra o interpelindo:

- Já marcou a data?

- Já.

- E o segredo?

- Eu vou lhe contar.

- Então conta!

- Aqui não é o lugar.

- Não falo mais com você! Tchau.

Claudia deu as costas e foi saindo sem dizer palavra! Ricardo correu atrás e alcançando-a conversou:

- Espera... Como assim? Tudo isso por causa de um segredo?

- É sim. Estou pra morrer com essa história! Sim, por que casar nós vamos casar! Agora o segredo... Estou passando mal até com isso!

- Mas, minha filha... Este é o único segredo que tenho. Não lhe escondo nada! Minha vida é um livro aberto!

- Ah, é sim... Eu só não consigo ver as páginas!

- Meu anjo, eu vim aqui lhe contar a data que marquei. E é assim que você me recebe?

- Mas é claro! Eu vou me casar e meu futuro marido tem um segredo que não quer me revelar... Como você queria que eu estivesse com isso?

- Eu vou lhe contar... Também já decidi o dia.

- E quando é então?

- Amanhã!

- Ai, que inferno! Conta logo! É tão grave assim? O quê que é? Tem câncer?

- Não.

- Aids?

- Não.

- Outra mulher!

- Não.

- Ai, desisto. Já cansei de pensar... Tudo que lhe pergunto é não!

- Escute: Amanhã eu vou lhe contar. Prometo.

Cláudia não acreditou nesse momento e olhando-se nos olhos e de braços cruzados perguntou:

- Jura?

- Juro.

- Se você não me contar...

- Eu conto.

- Então está certo. Amanhã então... Onde?

- Lá em casa... Mandei preparar um jantar pra nós dois...

Ricardo conseguira então, com isso, derreter o coração de Cláudia. Encantada ela emana:

- Ai jura? Que lindo isso! Mas por que?

- Estou arrependido de ter te pedido para tirar o filho. Agora nós vamos nos casar! Marquei a data para vinte e sete deste mês ainda. Está bom pra você?

A notícia era incrível para Cláudia. E acreditava piamente na mudança do namorado. Todo homem se compadece com essa história de filho. No começo podem até fazer pirraça, mas normalmente se rendem às responsabilidades e aos caprichos. Cláudia repetia a data quase sonhando:

- Vinte e sete? Daqui a duas semanas?

- É.

- Ai, está ótimo. Ai, meu Deus... Mas e o meu vestido? E a festa? As coisas todas?

- Não se preocupe com nada. Estou providenciando tudo. Hoje mesmo você pode ir provar um vestido que encomendei pra você. Está aqui o endereço da loja. Tem também um lugar para você passar o dia da noiva. Eles vão cuidar de você... Está aqui. E a festa, eu ainda estou decidindo o lugar.

- E a igreja?

- Na Catedral de São Sebastião, gosta? Se não gostar ainda posso mudar!

- Não acredito! Que amor... Meu sonho era casar lá.

- Olhe: Este cheque é para o seu enxoval. Precisa estar preparada para se casar.

- Ai paixão, você está pensando em tudo! Já posso contar? Pelo menos para o meu pai e meu irmão?

- Depois de amanhã, quando eu lhe contar o segredo.

- Vai mesmo me contar?

- Vou. Nós vamos casar!

- Então tá. Ai, agora estou ansiosa. Quero ir logo na loja!

- Então vá...

- Eu vou, mas amanhã à noite estarei na sua porta.

- Não precisa ir, eu venho lhe buscar.

- De carro?

- De carro!

- Ai, então tá... Deixa eu ir senão morro de curiosidades sobre o vestido!

- Vá então. Vá...

- Te ligo mais tarde!

- Tá...

No dia seguinte, Ricardo apareceria na casa de Cláudia, conforme o combinado e a pegaria para jantar.

Capítulo IV

No salão de festas da casa de Ricardo, pouco depois do jantar à luz de velas, estavam somente Cláudia e Ricardo a dançar. Não existiam convidados. A festa era somente para os dois. Eles, muito bem arrumados, dançavam havia pouco menos que minutos... Cláudia estava muito feliz. Encantada com tudo. E enquanto dançava com ele imagina até se esse segredo poderia ser a maior surpresa da festa. E seria... Quem sabe até o próprio casamento... "Os convidados poderiam estar escondidos por ali", pensava ela. “Que tola! Cobrar tanto um segredo que podia ser tão lindo...” E meio a tudo isso, em plena dança, ela, quase que sussurrando, exala:

- Muito obrigada. Está tudo muito lindo e romântico!

- Você merece!

- Imagina... Te perturbei demais pra saber teu segredo, não é?

Olhavam-se nos olhos quase que flutuando sob a música. Ela; com uma respiração ofegante como a de quem realmente se apaixona e não só pelo dinheiro do outro. Ele; fitando-a nos olhos. Dançando levemente, Ricardo profere:

- Perturbou. Mas não tem problema. É melhor assim... Não teremos segredos entre nós.

Logo uma "mão-boba" apareceu em algum lugar de Cláudia. Meio que desconsertada, olhou para confirmar se estavam sozinhos:

- Estamos mesmo sozinhos?

- Mas é claro. Não faria isto com você se estivéssemos acompanhados.

- Ai, que bom... Porque você sabe... Às vezes sou tímida.

- Eu sei...

Beijaram-se e foram direto para o chão. Ali mesmo, Ricardo começou a esquentá-la como nunca. E ela, com mais respiração do que fala, implorava:

- Me conta... Vai...

- O quê?

- Teu segredo...

- Quer mesmo saber?

- Quero. Conta... Conta...

Foi então que Ricardo, ao pé do ouvido dela, revelou o segredo:

- O meu segredo... É que eu sou gay. E teu irmão é o meu namorado!

Cláudia olhou para ele abismada.

(Fim)

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